Por Ellie Tzortzi ATENAS (Reuters) - Nos bons tempos das Olimpíadas
antigos, Olímpia era o ilustre terreno de nobres atletas, um teatro de
paz sagrada, jogo limpo e procissões sombrias entre templos de mármore
branco. Errado. Os Jogos antigos eram barulhentos, fedorentos e muitas
vezes escandalosos, tão políticos quanto os de hoje e chegaram a ter uma
batalha no meio de uma luta de boxe.
"Os Jogos da antiguidade não eram a celebração sagrada do esporte amador
que somos com frequência levados a acreditar", disse David Gilman
Romano, professor adjunto de período clássico da Universidade da
Pensilvânia.
"Os Jogos antigos eram de muitas maneiras muito parecidos às Olimpíadas
modernas: intrinsicamente políticos, nacionalistas e comerciais."
A origem dos Jogos está envolta em mitos, mas eles são conhecidos como
parte de um festival de honra a Zeus, rei dos deuses gregos.
Mas, longe do que ocupa a imaginação popular moderna, os Jogos antigos
lembravam um festival folclórico e, apesar de o foco ter sido a religião,
havia comida, bebida e socialização para atrair milhares de visitantes.
"Autores antigos descrevem como as condições eram repugnantes, com o
calor, moscas, empurrões e o cheiro, e mesmo assim dezenas de milhares
de pessoas chegavam. Valia a pena. Era divertido", disse Romano.
Pessoas viajavam de todo o mundo grego, da Península Ibérica ao Mar
Negro.
"Os Jogos eram como uma cola que mantinha a diáspora grega unida", disse
Emmanouil Mikroyannakis, professor de História Antiga da Universidade de
Atenas.
CARNE
Alguns dos males dos Jogos modernos não eram desconhecidos na
antiguidade.
"Havia trapaça, quando atletas arranjavam resultados, tentavam subornar
árbitros ou mentiam a idade para poderem competir em categorias
específicas", disse Ulrich Sinn, professor de Arqueologia Clássica da
Universidade de Wuerzburg, na Alemanha.
"Não havia doping como hoje, mas as pessoas sabiam que uma certa dieta,
por exemplo com muita carne, podia tornar alguém mais forte -- sempre
houve lendas de atletas que comiam um boi inteiro."
A trapaça era considerada uma ofensa aos deuses e as regras eram duras,
disse Mikroyannakis. Uma saída em falso numa corrida podia ser punida
com chicotadas.
"Atletas que mentiam ou trapaceavam, como lutadores que passavam óleo no
corpo para impedir que oponentes os agarrassem, tinham que pagar multa
que financiava as estátuas de Zeus no caminho do estádio, e isso servia
como intimidação e advertência", disse Mikroyannakis.
Uma caso de trapaça pode estar por trás de uma das mais famosas
tradições dos Jogos antigos -- competir nu.
Os atletas usavam roupas até que Orsippos de Megara iniciou uma nova
moda ao perder o calção durante uma corrida em 720 a.C.
"O calção caiu durante a corrida, e ele ganhou mesmo assim e iniciou uma
moda", disse Romano. "Ninguém tem certeza se foi um acidente no calor da
corrida, ou se ele fez de propósito porque percebeu que poderia ir mais
rápido nu."
PRÊMIOS
Os vencedores ganhavam somente uma coroa de folhas de olivas em Olímpia,
mas recebiam dinheiro, privilégios e honras em suas cidades de origem.
Atenas era uma das cidades mais generosas e oferecia aos vencedores
cerca de 500 dracmas, valor relativo aos salários de cerca de dois anos,
além do direito de não pagar impostos e de receber refeições gratuitas
pelo resto da vida, disse Sinn.
Os incentivos financeiros eram tão tentadores que alguns atletas
deixavam de lado a lealdade às cidades onde nasceram e passavam a
representar outra, irritando os fãs.
Alguns usavam a vitória olímpica para ambições mais terrenas, como
carreiras políticas.
Alcebíades, nobre de Atenas com ambições políticas, comprou seis bigas
para participar da corrida de sete bigas e ficou em primeiro lugar. Ele
voltou para Atenas como herói e usou sua vitória como argumento para
obter apoio em debates na cidade.
Muitos perdedores não voltavam para casa por vergonha ou medo de
represálias sociais.
Ao contrário da crença moderna, os Jogos não eram tão pacíficos.
O santuário de Olímpia recebia tantos presentes de vencedores de guerras
que se tornou ponto de luta de poder entre as cidades-estado de Arcádia
e Elis, com incursões pelo domínio do templo.
"Até uma batalha ocorreu durante os Jogos", disse Sinn. "Os soldados de
Elis atacaram quando os atletas de boxe competiam. Mas os árcades
esperavam por isso e colocaram soldados dentro do santuário."
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